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Prof. Marco Nunes

Editor do  Nerd Cursos - Biologia

Um portal de materiais de estudos para o Enem e vestibulares

Vitória da Conquista - Bahia - Brasil

Contato: profmanunes@gmail.com

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ROTEIRO DO PODCAST

15 – Por Que Esquecemos o Que Aprendemos?

 

¯Música de Abertura: David Bowie – Golden Years.

 

Olá estudantes! Sou o professor Marco Nunes e este é o podcast do Nerd Cursos, um portal de materiais de apoio ao estudo para o Enem e vestibulares. O tema de hoje é uma continuação do podcast anterior, O Sistema Nervoso, Memória e Aprendizado. Este segundo programa, é sobre por que esquecemos o que aprendemos.

 

Já pensou em ter uma memória privilegiada, que raramente esquecesse do que aconteceu durante a vida. Este tipo de memória existe. É chamada Memória Autobiográfica Altamente Superior. Quem tem esta condição é capaz de se lembrar do que comeu no almoço de hoje ou de dez anos atrás. Recorda com detalhes as notícias que leu no jornal há décadas. Seu sonho de consumo? Acho que é o de muitos estudantes. Mas, isto é uma condição muito rara. A maioria de nós vive esquecendo de muita coisa o tempo todo.

 

USinal de Início da aula.

 

¯ As músicas deste episódio serão instrumentais, pois, são ótimas companheiras para a concentração durante os estudos. E vamos começar nossa conversa, ouvindo ao fundo Ode a Alegria, que é parte da nona sinfonia de Bethoven.

 

O esquecimento é o processo pelo qual informações armazenadas na memória, deixam de estar disponíveis para serem utilizadas. Em 1888, um pesquisador alemão, chamado Hermann Ebbinghaus, se interessou pelo assunto e decidiu quantificar o esquecimento matematicamente, produzindo uma curva do esquecimento.  Ela está no roteiro do programa. Se quiser, veja lá!

A curva do esquecimento de Ebbinghaus mostrava a taxa à qual informações novas e recém memorizadas eram esquecidas. No estudo, foi constatado que em média, após vinte minutos as pessoas retinham apenas 60% do assunto memorizado. Uma hora depois, 45%. Após 9 horas, 35%. Tendo passado um dia, 33%. Dois dias, 28%. Seis dias depois, 25%. E 31 dias depois restavam somente, 21% do que havia sido memorizado. Portanto, os resultados mostravam que o processo de esquecimento é muito acentuado, especialmente, nas primeiras horas após o estudo. A curva do esquecimento de Ebbinghaus ficou muito popular, e ainda hoje, é muito usada como referência, em discussões sobre assunto esquecimento. Talvez, por isto, muitos professores orientem seus alunos com o mantra, “aula dada é aula estudada”, de preferência no mesmo dia. O trabalho de Ebbinghaus ficou conhecido como lei do desuso, pois, mostrava que informações aprendidas, sem uso contínuo, tendiam a desaparecer completamente da memória com o tempo.

 

No começo do século XX, um outro pesquisador, o inglês, Philip Boswood Ballard, conduziu um experimento para medir o esquecimento, e obteve, resultados muito diferentes dos de Ebbinghaus. No experimento de Ballard, um material de estudo foi dado aos participantes da pesquisa para ser memorizado. Cinco minutos depois, eles foram avaliados. Algo foi lembrado, mas muitas informações, não. Dois dias depois, os participantes foram reavaliados de surpresa. Os resultados, foram em média 10% melhores. Alguns dias depois, a avaliação foi aplicada novamente , e ocorreu nova melhora. Quando as avaliações foram interrompidas por vários dias, a tendência foi o esquecimento.  Ballard, conseguiu com seu experimento uma curva de esquecimento contrária à de Ebbinghaus, ou seja, uma curva de aprendizagem, e afirmou: “Não só tendemos a esquecer o que já lembramos [...] mas a lembrar o que já esquecemos!  A teoria ficou conhecida como teoria da reminiscência ou teoria da evolução espontânea da memória.

 

Quem teria razão? Ebbinghaus ou Ballard? Preste atenção nesta discussão! Ela é importante para os seus estudos.

 

Ebbinghaus em seu estudo havia selecionado como material a ser memorizado uma lista com 37 palavras monossilábicas, todas sem sentido, inventadas por ele. Cada palavra, era formada por uma consoante, seguida de uma vogal e depois por uma outra consoante. Vamos a alguns exemplos: RUR, HAL, MEK, BES, SOK, DUS, COT, BAL, TUT, ZAT, e assim por diante. A lista era passada para as pessoas que participaram do estudo para serem memorizadas completamente e depois, elas eram avaliadas várias vezes em momentos diferentes. Este foi o experimento que mostrou que a memória se perdia gradativamente com o tempo. Já Ballard, usou como material a ser memorizado, versos de um poema desconhecido pelos participantes do experimento. Vou lê-los para você:

 

“Ao amanhecer, na praia sombria,

Um pescador ficou perplexo,

Ao ver a forma de uma legítima donzela,

Movendo-se perto de um mastro à deriva.

O mar salgado congelou em seu peito,

As lágrimas salgadas em seus olhos;

E ele viu seu cabelo, como as algas marinhas marrons,

Nos altos e baixos das ondas.

Tal foi a devastação de Vésper,

Na escuridão da noite e na neve!

Cristo nos salvou de uma morte como esta,

No recife de Norman’s Woe!

 

Acho que você entendeu a origem da diferença dos resultados dos dois experimentos. O cérebro, não lida bem com informações sem sentido. Ele possui filtros que bloqueiam informações inúteis, como, a lista de palavras monossilábicas sem sentido de Ebbinghaus. Já o poema, é carregado de padrões que estamos familiarizados e estão encadeados de uma forma a contar uma história que possui sentido. Nosso cérebro adora uma boa história.

¯ Você ouviu a Aria da Suíte nº 3 de Bach  e vamos agora ouvindo Pequena Serenata Noturna de Mozart.

 

Vamos supor que você não foi a aula de biologia e pegou as anotações de sala com um amigo para copiar a matéria. O tema da aula era a membrana celular e nas anotações do colega havia uma lista de tópicos, simples palavras, como: envoltório celular, delgada, limite celular, permeabilidade seletiva, constituição lipoproteica e modelo mosaico-fluído. Talvez, você irá ter dificuldades de reter estas informações, pois, estão muito fora de contexto. São somente uma lista de palavras a serem decoradas. Mas, se você tivesse tido a explicação do professor, teria mais facilidade, pois, elas estariam dentro de uma explicação, mais ou menos assim. Todas as células são envolvidas por uma fina camada, chamada membrana celular. Ela é tão delgada, que durante muito tempo não pode ser visualizada, fato, que só foi possível após o desenvolvimento da microscopia eletrônica. Ao envolver as células, a membrana limita o que está dentro e fora, mas, não isola a célula, pois, permite a passagem de substâncias. Deixa entrar, por exemplo, o gás oxigênio e a glicose, que são essenciais à respiração celular que produz energia e permite a saída de gás dióxido de carbono, que é um produto final do processo. Mas, por outro lado, há substâncias que passam com muita dificuldade pela membrana, como por exemplo, os íons sódio, que são mantidos em maior quantidade fora das células. Esta característica da membrana é chamada permeabilidade seletiva. A membrana é feita principalmente de lipídios e proteínas, por isto, tem uma constituição lipoproteica. Estes componentes, estão estruturados na forma de duas camadas de moléculas de fosfolipídios, com blocos de proteínas inseridas, um mosaico com um padrão organizado, onde, há muita mobilidade das moléculas. Devido a esta mobilidade, podemos dizer que a membrana é fluída.  Este modelo de organização é chamado modelo mosaico-fluido.   

 

Percebeu a diferença? Você pode até anotar os conteúdos na forma de tópicos. É prático. Mas, cada vez que pensar neles, é muito bom que os coloque dentro de um contexto lógico. Cada vez que você é estimulado a contar esta história, você a faz de uma maneira melhorada, com mais detalhes. Uma dica! Na hora de estudar, imagine que está explicando para alguém ou se atreva a realmente explicar o conteúdo para outra pessoa. Isto, é uma poderosa ferramenta de memorização e que estimula a retenção, principalmente se for feita com frequência.

 

Na década de 1980, dois pesquisadores americanos da universidade UCLA, os psicólogos Robert Bjork e Elizabeth Ligon Bjork, dedicaram-se a explicar o efeito Ballard de melhora da memória com o tempo. O trabalho do casal ficou conhecido como “A Nova Teoria do Desuso”, chamada por alguns de “Teoria do Esquecer para Aprender”. O primeiro princípio desta teoria é que toda memória tem duas forças: a de armazenamento e a de recuperação.

 

A força de armazenamento seria praticamente ilimitada, especialmente, se a informações a serem armazenadas forem relevantes e reforçadas muitas vezes. Quanto mais vezes, melhor.  Mas a capacidade de armazenamento do cérebro seria realmente ilimitada? Será que a nossa memória nunca se esgota? Sim, ela se esgota. Mas estudos sobre o assunto mostram que a capacidade de armazenamento cerebral é extremamente alta. Em uma comparação com sistemas digitais de armazenamento, o cérebro humano seria um super HD de aproximadamente 2,5 petabytes. Isto seria capacidade suficiente para armazenar três milhões de horas de vídeo. Para explorar este acervo, você teria que assistir sem parar os vídeos por 300 anos.

 

¯ Agora vamos ouvindo Vivaldi, Primavera.

 

Mas se temos tanta capacidade de armazenamento, por que muitas vezes parece tão difícil lembrarmos do que aprendemos? É aí, que entra a segunda força da memória, a força de recuperação, que é uma medida da capacidade de lembrarmos de uma informação. Se uma informação é lembrada com dificuldade, a sua força de recuperação está baixa, se você lembra dela com facilidade, está alta. A força de recuperação, também aumenta com o uso. Sem uso frequente, uma memória mesmo que armazenada, perde rapidamente o poder de ser recuperada.  A força de recuperação de uma memória é variável.

 

Vamos a um exemplo, inspirado na sua vida de estudante. O professor de biologia chega na aula do cursinho pré-vestibular e diz: a aula é sobre os cloroplastos e te pergunta, o que você sabe sobre eles. Você já estudou o assunto algumas vezes na sua vida, no ensino fundamental e médio, e responde que são organelas celulares responsáveis pela fotossíntese e para por aí. Não consegue recuperar mais nada da memória. O professor desenha no quadro uma árvore e um animal, e em seguida, uma célula de ambos os seres, e pergunta: em qual célula há cloroplastos? Estimulado, você responde: na célula vegetal. O professor pede uma sugestão. Com qual cor você acha que deveria ser desenhado o cloroplasto na célula vegetal? Verde, pois é a cor da clorofila, você responde com empolgação. O professor desenha um cloroplasto com detalhes, enfatizando a presença de duas membranas, ribossomos e de uma molécula de DNA circular, mergulhados em um meio líquido no interior da organela. Em seguida pergunta: o que lhe parece uma estrutura envolvida por membrana, com seus próprios ribossomos e DNA. Você diz: uma célula. O professor engata uma nova pergunta. De que tipo? Você olha para o esquema, pensa e diz, uma célula procarionte. E aí, você se lembra da teoria da endossimbiose, que afirma que os cloroplastos e as mitocôndrias são organelas celulares resultantes da associação entre uma célula eucariótica primitiva e uma célula procariótica. Antes da série de perguntas, você parecia não ter muita coisa armazenada sobre os cloroplastos na sua cabeça. Mas com os estímulos, você foi recuperando as memórias que pareciam esquecidas.

 

Você deve estar pensando. Que porcaria de cérebro. Poderia nunca perder o poder de recuperação das memórias. Nada disto! Esquecer é muitas vezes necessário. Vou explicar, com uma suposição. Você nasceu e cresceu no Brasil. Aqui foi alfabetizado e ao completar dezoito anos, aprendeu a dirigir um automóvel.  Depois de terminada a universidade, você se mudou para a Inglaterra, para continuar os estudos e teve de dominar outra língua. No começo, conversar era muito difícil e lento, pois, a cada palavra que ouvia e tentava falar, você se lembrava delas em português e só depois as convertia para o inglês. Mas, com o tempo, você superou a dificuldade. É como se você tivesse esquecido o português e pensasse somente em inglês. O mesmo aconteceria com a conduta de direção de um carro. No Brasil, você aprendeu que em uma rua se deve conduzir o carro a direita, e na Inglaterra, é à esquerda. Você terá que esquecer um hábito, para apreender outro, essencial para a segurança no transito. Mas, se depois de anos sem se relacionar com brasileiros você voltar ao Brasil, a língua que parecia esquecida, rapidamente será recuperada, pois continua armazenada. O mesmo acontece com o ato de dirigir. Esquecer é importante para aprender novas informações e habilidades, para se adaptar a novas situações.

 

Então, acho que ficou claro. Temos um cérebro poderoso, com altíssima força de armazenamento, mas com força de recuperação das memórias variável, muito dependente da frequência do uso e de estímulos. Ficou claro que para ter sucesso nas provas você terá que fazer revisões frequentes. Tipo assim, um estudo aprofundado até 24 horas após ter assistido a aula. Uma revisão até uma semana depois. Outra revisão um mês depois da aula. E depois a cada mês.

 

 

 

 

Mas cuidado para não fazer uma revisão mecânica, chata e fria. Na hora da revisão, sempre se pergunte o que você sabe sobre o assunto, responda de preferência mentalmente ou em voz alta, para não perder muito tempo escrevendo textos. Compare sua resposta as anotações de sala, aos fichamentos que você fez da matéria ou ao conteúdo de um livro. Ao detectar pontos fracos, os reforce e faça muitos exercícios, pois, eles ajudam a manter a força de recuperação elevada.

 

Embalados pela sinfonia Andante de Mozart, o podcast acaba por aqui. O assunto memória, não foi esgotado. No futuro, novos programas abordarão o tema. Se você quiser saber mais, recomendo a obra que me guiou neste assunto, o livro “Como aprendemos”, do jornalista norte americano, Benedict Carey, especializado em assuntos medico/científicos. Se você é ouvinte assíduo do Podcast, você se recorda que nossa interação pode continuar em www.nerdcursos.com.br/podcasts. Lá, você pode ler o roteiro do programa, acessar links e alimentar o podcast com dúvidas e comentários, que podem dar origem a outros programas.

 

Participaram deste episódio: na abertura David Bowie com Golden Years, durante o programa Bach, Bethoven, Mozart, Vivaldi, e eu, o professor Marco Nunes, sempre querendo reforçar o que você aprendeu na sala de aula, aumentando o seu poder de recuperação dos conteúdos.

 

E para terminar uma frase do poeta espanhol Miguel de Unamuno:

 

“ É preciso esquecer para viver; o esquecimento abre espaço para o que está por vir. ”

 

U Sinal de final da aula.

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